sábado, 26 de junho de 2010

"DOGMATISIA AGUDA", texto teatral do "Fictício Livro de Ilustrações e Devaneios"


Por: Paulo Dante

Personagem 1 surge de repente.

[Personagem 1] Mas que espécie de bando de destrambelhados é esta, com suas idéias comunistas e pretensões macabras?!

Personagem 2 se levanta.

[Personagem 2] Como é?
[Personagem 1] Comunistas!
[Personagem 2] És louco!
[Personagem 1] ora, loucos são vocês, com desnecessárias problematizações e exacerbadas liberdades! O Direito é uma caixa fechada, para que abrí-la?!
[Personagem 2] Para se explorar o que tem dentro.
[Personagem 1] Para maculá-lo, isso sim!
[Personagem 2] Modificá-lo!
[Personagem 1] Maculá-lo!
[Personagem 2] Modificá-lo!
[Personagem 1] Maculá-lo!

Personagem 3 surge.

[Personagem 3] Com licença.
[Personagem 1] O que deseja?
[Personagem 3] Preciso da ajuda do Direito.
[Personagem 2] Pois veio à pessoa certa.
[Personagem 1] Certamente o comunista refere-se a mim.
[Personagem 3] Comunista?!
[Personagem 2] Não dê ouvidos a este pobre coitado, ele sofre de Dogmatisia Aguda.
[Personagem 3] E é grave?
[Personagem 2] Não muito, mas só se pode curar aqueles que desejam ser curados.
[Personagem 3] Uai, e ele não quer?
[Personagem 2] Não.
[Personagem 3] Mas então é louco!
[Personagem 1] Louco nada! Ora! *com fulgor*
[Personagem 2] Deixe isso de lado e diga, por que precisa do Direito?
[Personagem 3] É porque me passaram a perna.

Personagem 1 salta e todos se assustam

[Personagem 1] Ora, um caso! Venha, venha, me acompanhe, eu posso ajudá-lo! (puxa Personagem 3)
[Personagem 2] Ah, não pode não, eu é quem vou ajudá-lo. (puxa Personagem 3)
[Personagem 1] Suas técnicas vermelhas de nada adiantarão a meu cliente, comunista! (puxa Personagem 3)
[Personagem 2] SEU cliente?! (puxa Personagem 3)
[Personagem 3] Uai, mais se vocês continuarem assim vou precisar é da Medicina!

Ambos soltam Peronsagem 3, reclamando juntos, baixo, "Eee, a Medicina não, Medicina não..."

[Personagem 3] Agora qual de vocês vai me ajudar?
[Personagem 1] Ora, é demasiado simples tal situação, prezado trabalhador. Pela bagatela, quantia pífia monetária que equivale a aproximadamente 3/4 da totalidade do valor a ser obtido, posso munir-lhe com os artifícios necessários à sua empreitada contra o mal.
[Personagem 3] Hein?
[Personagem 2] Ele quer te cobrar o olho da cara.
[Personagem 3] Uaai, meu olho não, rapaz! Vou é com o outro!
[Personagem 1] Oora! Se assim deseja, peão, pois bem! O dogmatismo estrito há de prevalecer diante de suas terríveis idéias Waratianas!


[MUDA A CENA]


[Juiz 1] A lei é mais do que clara neste caso. Embaso-me no dogmatismo, nos códigos, na doutrina e em toda sorte de documento cuja procedência lhe permite ser fonte de Direito, de forma a deixar claro, claríssimo, TRANSPARENTE, que o senhor que moveu esta ação em nada tem razão. Pouco importa ser ele um cidadão desta sociedade numa empreitada contra grande empresa, empresa esta que interesse algum tem senão abusar de um ente social. E é por isso, com baso nisso e, acima de tudo, com base no ESPÍRITO DAS LEIS, que EU, o JULGAODR AUTÊNTICO E IMPARCIAL (...)

"OOOOOH!"

(...) decido contra o cidadão, livre de posições políticas e opiniões próprias. Afinal, enquanto JULGADOR AUTÊNTICO E IMPARCIAL (...)

"OOOOOH!"

(...)não tenho espaço para tais c--

[Juiz 2] Bla bla bla bla bla!
[Juiz 1] Ora, quem vem lá?! Quem ousa interromper o JULGADOR AUTÊNTICO E IMPARCIAL (...)

"OOOOOH!"

(...)em seu discurso?!

[Juiz 2] Um mero julgador, amigo.
[Juiz 1] Amigo não; VOSSA EXCELÊNCIA.
[Juiz 2] Que de excelente não tem é nada!
[Juiz 1] Como é?!
[Juiz 2] Livre de opiniões?! Imparcial?! Faz-me rir, faz-me rir! Não passa de apenas mais um que nega o poder pertencente ao judiciário. De mais um que macula o rol do Direito com seus discursos pomposos e que abusam de linguagem jurídica em momentos em que tal se faz desnecessária. Que aliena as massas e afasta-as do convívio jurídico, que age de acordo com preceitos políticos e posicionamentos sociais! Sim, meritíssimo, NÃO HÁ IMPARCIALIDADE! Julgador imaculado, sagrado, o salvador do Direito?! Falácias, falácias, falácias! Todas elas! Chega a ser engraçado, engraçado e triste, sim, triste! Um espetáculo de horror, imaginar que um ser humano pode se portar indiferente à suas próprias opiniõe; na realidade, OCULTA suas opiniões atrás de um discurso, de preceitos jurídicos por ele escolhidos, como um autômato do judiciário, parte de uma produção em massa de infelizes que--
[Juiz 1] Cale-se...
[Juiz 2] INFELIZES que acreditam ser o Direito uma caixa de pandora, fechada, que jamais deve ser aberta. ABRA-A! EU DIGO! ABRA-A!
[Juiz 1] Mandei calar-se!
[Juiz 2] Não me calo! Jamais! Corte minha língua e com meu sangue escreverei o que penso! Lutarei até o fim contra a ABERRAÇÃO que é este tipo de jurista, de julgador!
[Juiz 1] CALADO! (Ataca Juiz 2 com um soco na barriga)
[Juiz 2] (Curva-se, com a mão no estômago) Haha...HAHAHAH! Não há mais espaço para vocês no mundo! (Levanta-se) Na sociedade! Pra fora com esta abominação jurídica perpetuada nas academias!
[Juiz 1] CALE-SE! (Bate no rosto de J2)
[Juiz 2] (Cai ajoelhado, rindo de forma doentia) Encare-me nos olhos! ENCARE!

Juiz 1 desvia o olhar, repetindo para si mesmo 'cale-se, cale-se...'

[Juiz 2] Você não pode, não é?! Abra a caixa, eu digo! Permita que possamos analisar o conteúdo dela! Libere no mundo o que está na caixa selada e lacrada do Direito! ANALISE-A! ABRA A CAIXA DE PANDORA!
[Juiz 1] CALE-SE, CALE-SE! AGORA! *ajoelha-se no chão e começa a dar socos no rosto de J2* CALE A BOCA!

A Cena prossegue, com Juiz 2 rindo, enquanto toma uma saraivada de socos, até que estes começam a cansá-lo, e a vida se esvai aos poucos.
Juiz 2, morto, cala-se, mas Juiz 1 continua a surra por alguns instantes.
Ao final, ele fica ali, ajoelhado, respirando ofegante. Levanta-se, ajeita o terno e pega o processo.

[Juiz 1] ...A lei é clara neste caso. Permanece o Espírito das Leis.

J1 sai andando, sumindo de cena, deixando J2 caído no chão.

2 comentários:

  1. Muito bom pessoal!
    Já foi encenada?
    Grande abraço

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  2. Olá, Luiz Otávio!

    foi encenada sim, no sarau de encerramento das atividades do semestre. Depois postarei algumas fotos no blog!
    abraços

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