Bom dia leitores!
Começará hoje o III Encontro Internacional do Movimento Casa Warat e, nesses próximos três dias, estaremos imersos em uma experiência sensível e surreal nos Reinos de Goiás*. Serão quentes e doces as manhãs na Vila Boa, serão noites e chuvas as luas daqui, seremos os versos do nosso Elogio à Loucura.
Para ilustrar esses dias, segue a contribuição do querido Alison Cleiton** para o Sarau Mentes Livres, que acontecerá durante o encontro. O Sarau será tematizado pelo poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.
Nos vemos nesses dias, nos becos de Goiás,
Jordana.
* Reinos de Goiás é o nome de uma coletânea de poemas de Cora Coralina.
** Alison Cleiton é professor do curso de Serviço Social na UFG/campus Goiás, nordestino, forrozeiro e amigo da Casa Warat Goiás.
Morte e Vida Severina de todos os dias!
João Cabral de Melo Neto
Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
Estima-se que os países ricos controlam mais de 80% do
rendimento global, sendo que os países de desenvolvimento tardio do
hemisfério sul que absorvem 58% dos habitantes da terra, não
chegam a 5% da renda total ( Melo, 2008). Quanto severinos consegue um palmo de terra
só após a sua morte. Devastador ver uma
sociedade que privilegia as coisas em detrimento das necessidades sociais da
maioria.
É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
neste latifúndio.
Os 447 bilionários que há no mundo possuem
conjuntamente a renda somada de cerca de 2,8 bilhões de pessoas.
Não é cova grande.
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
Os indivíduos que residem nas populares “favelas”
são nos países desenvolvidos 6% da população urbana, enquanto nos países menos
desenvolvidos atingem 78,2% dos habitantes urbanos. Em 46 países o povo está
mais pobre hoje do que em 1990. Em 25 países há mais gente faminta hoje do que
há uma década
É uma cova
grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
é uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
é uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.
Das 20,6 milhões de
crianças com idade até 6 anos (11% da população), 11,5 milhões vivem em
famílias com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo, sendo que
mais da metade é negra. Cerca 835 mil
jovens deixaram o campo no período de dez anos. Um milhão e duzentas
crianças são mercantilizadas pelo tráfico de seres humanos. Cerca de
4,5 milhões de pessoas com idade entre 5 e 17 anos trabalham no Brasil.
(...)
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida
como a de há pouco, franzina
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.
O tempo presente nos interpela, sobretudo por que
essa vida Severina se torna a cada dia mais Severina. Não por acaso, cresce a
indignação, a luta e resistência ao sistema produtor de desigualdades sociais.
A primavera dos povos, as lutas no campo e na cidade são expressões do
espetáculo da vida, construindo “um mundo
onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”
(Rosa Luxemburgo).
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