sábado, 12 de novembro de 2011

Morte e Vida Severina (de todos os dias)

Bom dia leitores! 

Começará hoje o III Encontro Internacional do Movimento Casa Warat e, nesses próximos três dias, estaremos imersos em uma experiência sensível e surreal nos Reinos de Goiás*. Serão quentes e doces as manhãs na Vila Boa, serão noites e chuvas as luas daqui, seremos os versos do nosso Elogio à Loucura.

Para ilustrar esses dias, segue a contribuição do querido Alison Cleiton** para o Sarau Mentes Livres, que acontecerá durante o encontro. O Sarau será tematizado pelo poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.

Nos vemos nesses dias, nos becos de Goiás,

Jordana.

* Reinos de Goiás é o nome de uma coletânea de poemas de Cora Coralina.
** Alison Cleiton é professor do curso de Serviço Social na UFG/campus Goiás, nordestino, forrozeiro e amigo da Casa Warat Goiás.




Morte e Vida Severina de todos os dias!
João Cabral de Melo Neto



"Os Retirantes", Cândido Portinari


Essa cova em que estás,  
com palmos medida,  
é a cota menor  
que tiraste em vida.  

Estima-se que os países ricos controlam mais de 80% do rendimento global, sendo que os países de desenvolvimento tardio do hemisfério sul que absorvem 58% dos habitantes da terra, não chegam a 5% da renda total ( Melo, 2008).  Quanto severinos consegue um palmo de terra só após a sua morte. Devastador ver  uma sociedade que privilegia as coisas em detrimento das necessidades sociais da maioria.

É de bom tamanho,  
nem largo nem fundo,  
é a parte que te cabe   
neste latifúndio.   

Os 447 bilionários que há no mundo possuem conjuntamente a renda somada de cerca de 2,8 bilhões de pessoas.

Não é cova grande.  
é cova medida,  
é a terra que querias  
ver dividida.

Os indivíduos que residem nas populares “favelas” são nos países desenvolvidos 6% da população urbana, enquanto nos países menos desenvolvidos atingem 78,2% dos habitantes urbanos. Em 46 países o povo está mais pobre hoje do que em 1990. Em 25 países há mais gente faminta hoje do que há uma década

É uma cova grande  
para teu pouco defunto,  
mas estarás mais ancho  
que estavas no mundo. 
é uma cova grande  
para teu defunto parco,  
porém mais que no mundo  
te sentirás largo.   
é uma cova grande  
para tua carne pouca,  
mas a terra dada  
não se abre a boca.  

Das 20,6 milhões de crianças com idade até 6 anos (11% da população), 11,5 milhões vivem em famílias com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo, sendo que mais da metade é negra. Cerca  835 mil jovens deixaram o campo no período de dez anos. Um milhão e duzentas crianças são mercantilizadas pelo tráfico de seres humanos. Cerca de 4,5 milhões de pessoas com idade entre 5 e 17 anos trabalham no Brasil.

 (...)

E não há melhor resposta  
que o espetáculo da vida:  
vê-la desfiar seu fio,  
que também se chama vida,  
ver a fábrica que ela mesma,  
teimosamente, se fabrica,  
vê-la brotar como há pouco   
em nova vida explodida  
mesmo quando é assim pequena  
a explosão, como a ocorrida  
como a de há pouco, franzina  
mesmo quando é a explosão  
de uma vida severina.

O tempo presente nos interpela, sobretudo por que essa vida Severina se torna a cada dia mais Severina. Não por acaso, cresce a indignação, a luta e resistência ao sistema produtor de desigualdades sociais. A primavera dos povos, as lutas no campo e na cidade são expressões do espetáculo da vida, construindo “um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres” (Rosa Luxemburgo).

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