segunda-feira, 10 de maio de 2010

Lá fora de Realidade é que tem graça


Por Fernanda Rezek


Eu moro em Realidade. Eu nasci em Realidade. Não é fácil de se viver em Realidade, não. Tiro férias lá fora, amiúde. Não sempre que eu quero; mas sempre que eu posso. Lá fora é terra de ninguém. Realidade é exacerbadamente sistematizada; diria que cruelmente burocrática. Tem muito preconceito em Realidade; muita maldade; julgamentos vãos; pessoas robotizadas; vazias de amor. Cantar no trânsito, em Realidade, desperta olhares hostis. Lá, as pessoas são egoístas, egocêntricas; parece terem medo umas das outras. São pontuais pra não demonstrarem o desprezo pelo tempo do outro; são polidas pra não escancararem o desrespeito pelo outro humano; são caridosas pra que ninguém perceba que o que realmente importa é sua própria fortuna. Realidade é assim; cinza. Julga-se o amor, pune-se a espontaneidade, e fingir a vida é muito mais importante que viver. Sair de Realidade causa uma sensação de bem estar inexplicável. Parece que o ar volta aos pulmões. Lá fora você escolhe as cores. Seus músculos não sentem dor no fim do dia. Você sorri de verdade. Chora. Lá, não se reprime a alma. As auras brilham com mais força, e o vento sopra com mais leveza. Lá fora é sempre surpreendente; não tem relógio lá, nem trânsito do meio dia, não tem arma de fogo, violência nenhuma. Eu moro em Realidade. Eu nasci em Realidade. Mas minha casa mesmo, é lá fora. E lá fora ... é bem aqui dentro de mim.

Um comentário:

  1. Fernanda,
    Realmente encantador! Temo que o automatismo nos faça habitantes dessa realidade tão injusta e cruel. Que seu mundo continue assim, lá fora, com poemas que traspassam o papel e tocam o coração do leitor.

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