segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Intensidade




Intensidade. Essa palavra marcou minha cartografia escrita durante o III Encontro do Movimento Casa Warat. Sempre que me propunha a escrever ou a falar sobre alguma coisa, lá estava ela retumbante e estridente: “intensidade, intensidades...”
É difícil falar sobre algo que apenas corta, que apenas afeta e faz sentir. Sentia que vivia um momento especial, com pessoas especiais, mas não era qualquer momento com quaisquer pessoas. Alguma coisa era diferente. Sentia que estávamos construindo algo especial, sentia que não era exclusivamente meu, que era uma produção coletiva.  
Mas o que? O diferenciou aquele momento de tantos outros? Aquelas pessoas de tantas outras? Aqueles três dias de outros dias?
Acho que naqueles dias, construímos um imaginário coletivo marcado pela entrega à produção de relações humanas pautadas por algo a mais que o respeito. Deixamo-nos ser perpassados pelo outro. Não sei como definir ou explicar isso. Há sentidos que as palavras simplesmente não comportam.
Também nos permitimos questionar os limites do possível, da sensatez de uma sociedade frenética, reificada e louca. Ao questionarmos a reificação, permitirmo-nos criar mundos, pessoas, “eus” e imaginários. Vivenciamos, assim, a inquietante, gostosa, mas ao mesmo tempo angustiante sensação de loucura e de entrega sem barreiras.
Foram dias especiais, pois, parodiando o texto escrito por Alexandre Moraes da Rosa para o Encontro, sorrimos monalisamente do imaginário hegemônico instituído. Sorriso que era reflexo de várias intensidades que nos perpassavam. Nosso sorriso era alegria, tristeza, desprezo, ironia, indiferença, raiva, esperança, angústia, medo, mas também, acima de tudo, possibilidades.

Eduardo Rocha

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Pintando Razão e Sensibilidade

Impressões do III Encontro Internacional da Casa Warat.


Esses dias tive a oportunidade de viajar para vários lugares. Visitei São Paulo, Brasília, Buenos Aires, Bahia, minha Cidade de Goiás... pude conhecer pessoas encantadoras, extremamente sensíveis e amáveis, vivenciar o caos e a tranquilidade, compartilhar experiências e idéias, sorrir e cantar e dançar na chuva.

Pude acreditar que é possível sim SENTIR e somente sentir, sem precisar necessariamente das palavras, e ser compreendida assim.
Pintamos, dançamos, sentimos o chão com os pés descalços, nos tocamos de olhos fechados, sentimos frio e calor, nos refrescamos em uma cachoeira casamenteira, vimos a cidade de Goiás coberta de neve e de cronópios.

Fomos a lugares reais e imaginários, bebemos mutamba na chuva (mutamba na chuva, mutamba na chuva... êh! êh!), fortalecemos nossos vínculos e nos unimos. Porque o que nos une é essa vontade de ser sempre melhores e mais sensíveis ao outro, de ensinar e aprender, caminhar e acreditar.

Esses dias foram de muitos sorrisos, idéias e, principalmente, de aprendizado e caminhada coletiva.
Voltei pra casa e até agora, quando me lembro desses dias mágicos, me pego sorrindo, e pensando nos rinocerontes excitados e nos cronópios e nas lindas pessoas que deixaram suas marcas nessa cidade que se encantou e se iluminou com tanta alegria!

Nádia Pinheiro

Foto: Leopoldo Fidyka

sábado, 19 de novembro de 2011

Sobre os dias em que nevou em Goiás


Impressões do III Encontro Internacional da Casa Warat, novembro de 2011.




Dia desses os becos de Villa Bôa silenciaram suas cantorias. Eles estavam ansiosos para ver passar cantando o bloco dos insanos (todos amigos de um outro ainda mais louco, Warat). Ficaram abismados com tamanha ousadia dos waratianos, que não sabiam cantar nenhuma música. Só inventavam. Bando de loucos!


Os componentes do bloco faziam barulhos estranhos, dançavam numa chuva de poesia, falavam de amor, nudez e erotismo. Batiam tambores que, ao invés de chamar chuva, invocavam a, ainda mais absurda, presença da polícia. As pedras sensíveis, das ruas tortas, sentiram os pés descalços  deles, e contaram que, nunca antes em Goiás, alguém chorou e sorriu com os dedos, como choravam e sorriam os dedos dos pés daqueles exageradamente-a-flor-da-pele.

Quando os malucos foram embora, pegando carona num carro que descia em alta velocidade o rio congelado (pois a neve lá foi mais intensa nesses dias), a cidade ficou abandonada. Foi uma partida feliz - pois loucos não conhecem tristeza. O sol voltou a ser muito brilhante e o calor novamente beirando os 40 graus. Os becos voltaram a cantar solitários, na companhia vazia dos paralelepípedos.

Ficou a saudade...
Os sinos fazendo eco...
E a lembrança certa de que Warat também sorriu e chorou nesses dias.

Jordana Ribeiro de Ávila

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Pela fresta da janela azul

Pessoas...?

A poesia transbordava e

Ele estava presente

O céu cuspia água

Sabor do não sabor

Os seres se despiam

em cena: a fantasia

encena a sina;


Raíssa Ávila.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

"Eu sinto que sei que sou um tanto bem maior"

Abaixo, as impressões da Myla Alves a respeito do III Encontro Internacional da Casa Warat:

Eu poderia começar esse texto com título, olho, lead e usar pirâmide invertida, como manda a objetividade do jornalismo, mas aprendi neste feriado que posso - e devo - ser subjetiva. Não é crime ser intensa, sentir dor e medo, sofrer e amar. Aceitei que a minha sina é errar, e não ter medo de errar, e nunca deixar de acreditar.
Sempre fui apaixonada pelas ruas de tortuosas pedras da Cidade de Goiás, onde já tropecei tantas vezes e, mesmo assim, nunca deixei de amá-las e frequentá-las. Por que com a vida seria diferente? Eu continuo andando e caindo e seguindo, seguindo com paixão por cada coisa que vivo e faço.
Esses quatro dias foram encantadores não só pelo erotismo da Cidade de Goiás, tantas vezes mencionado pelo grupo. A viagem foi mágica graças às pessoas especiais e inspiradoras que conheci. Fazer parte do encontro da Casa Warat me proporcionou outra perspectiva de vida. Mesmo conhecendo tão pouco o universo waratiano eu me encantei. Me encantei por ele estar tão vivo em Buenos Aires, em São Paulo, na Cidade de Goiás, em Brasília, na Bahia, no sul do país e em cada uma dessas pessoas. Me encantei pelo jeito waratiano de ver e sentir o Direito e o mundo. Jeito esse que me incentiva agora a buscar um Jornalismo melhor, mais humano e sensível, diferente do sensacionalismo hoje existente.
A viagem para Goiás era pra mim uma espécie de refúgio, de recarregar as energias, respirar outros ares, conhecer novas pessoas, esquecer as tristezas, decepções, raivas.
Voltando pra casa vejo que consegui mais do que isso. Eu consegui entender que só preciso de pessoas mais humanas e que posso deixar de lado o quê e quem me faz mal. Depois de quatro dias de poesia, sinas, canções na chuva e um banho de cachoeira pra lavar a alma, eu jamais sou a mesma pessoa que saiu de Goiânia no sábado à tarde.
Eu agora tenho sede, sede de vida, de conhecimento, de arte, de humanidade e de auto-conhecimento.
Eu desejo ser uma pessoa melhor a cada dia!

Myla Alves - Estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Waratiano, qual sua sina?



Boa tarde Waratianos!

Chegou ao fim o III Encontro Internacional da Casa Warat ao qual não pude participar por motivos pessoais. Acredito que tenha sido uma ótima troca de experiências e uma oportunidade ímpar de fortalecimento de vínculos e laços waratianos. Em homenagem ao Sarau realizado ontem (14/11) queria deixar por aqui a música "Sina nossa" da banda O Teatro Mágico. A canção é linda e a meu ver totalmente compatível com a indagação proposta, qual seja: Waratiano, qual sua sina? Quanto a minha SINA digo que além de nos ensinarmos (como diz a melodia) é também de nos compreendermos.


Fica aqui minha singela contribuição.
Thays Carvalho.

domingo, 13 de novembro de 2011

Locais do Encontro



Programação do III Encontro Internacional da Casa Warat
Locais

Dia 12 
18h – recepção
Restaurante Dali

Dia 13
15h - dinâmica de abertura - Igreja do Rosário

Facilitadores: Marta Gama e Leopoldo Fidyka
19h – Mesa redonda: Desafios do pensamento Waratiano – Padaria Moinho do Trigo

Facilitador: André Copetti

Dia 14
10h - Compartilhando cartografias: um espaço carnavalizado de troca de experiências – Espaço Vila Esperança
Facilitadores: André Copetti e Leopoldo Fidyka (a confirmar)
Apresentações de experiências waratianas
15h - Café Filosófico: “Cortazar, João Cabral de Melo Neto e Warat: antropofagia e impossibilidades” – Bodega Fantástica
Facilitador: Albano Bastos Pepe
21:30h – Sarau – Igreja Santa Bárbara
Tema: Waratiano, qual sua sina?
Livro inspiração: “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto

Dia 15
11h - balanço do movimento e do encontro Casa Warat -(ainda não especificado)





Obs.: Locais e horários podem se alterar com o decorrer das conversas e dos sentimentos.

sábado, 12 de novembro de 2011

Morte e Vida Severina (de todos os dias)

Bom dia leitores! 

Começará hoje o III Encontro Internacional do Movimento Casa Warat e, nesses próximos três dias, estaremos imersos em uma experiência sensível e surreal nos Reinos de Goiás*. Serão quentes e doces as manhãs na Vila Boa, serão noites e chuvas as luas daqui, seremos os versos do nosso Elogio à Loucura.

Para ilustrar esses dias, segue a contribuição do querido Alison Cleiton** para o Sarau Mentes Livres, que acontecerá durante o encontro. O Sarau será tematizado pelo poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.

Nos vemos nesses dias, nos becos de Goiás,

Jordana.

* Reinos de Goiás é o nome de uma coletânea de poemas de Cora Coralina.
** Alison Cleiton é professor do curso de Serviço Social na UFG/campus Goiás, nordestino, forrozeiro e amigo da Casa Warat Goiás.




Morte e Vida Severina de todos os dias!
João Cabral de Melo Neto



"Os Retirantes", Cândido Portinari


Essa cova em que estás,  
com palmos medida,  
é a cota menor  
que tiraste em vida.  

Estima-se que os países ricos controlam mais de 80% do rendimento global, sendo que os países de desenvolvimento tardio do hemisfério sul que absorvem 58% dos habitantes da terra, não chegam a 5% da renda total ( Melo, 2008).  Quanto severinos consegue um palmo de terra só após a sua morte. Devastador ver  uma sociedade que privilegia as coisas em detrimento das necessidades sociais da maioria.

É de bom tamanho,  
nem largo nem fundo,  
é a parte que te cabe   
neste latifúndio.   

Os 447 bilionários que há no mundo possuem conjuntamente a renda somada de cerca de 2,8 bilhões de pessoas.

Não é cova grande.  
é cova medida,  
é a terra que querias  
ver dividida.

Os indivíduos que residem nas populares “favelas” são nos países desenvolvidos 6% da população urbana, enquanto nos países menos desenvolvidos atingem 78,2% dos habitantes urbanos. Em 46 países o povo está mais pobre hoje do que em 1990. Em 25 países há mais gente faminta hoje do que há uma década

É uma cova grande  
para teu pouco defunto,  
mas estarás mais ancho  
que estavas no mundo. 
é uma cova grande  
para teu defunto parco,  
porém mais que no mundo  
te sentirás largo.   
é uma cova grande  
para tua carne pouca,  
mas a terra dada  
não se abre a boca.  

Das 20,6 milhões de crianças com idade até 6 anos (11% da população), 11,5 milhões vivem em famílias com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo, sendo que mais da metade é negra. Cerca  835 mil jovens deixaram o campo no período de dez anos. Um milhão e duzentas crianças são mercantilizadas pelo tráfico de seres humanos. Cerca de 4,5 milhões de pessoas com idade entre 5 e 17 anos trabalham no Brasil.

 (...)

E não há melhor resposta  
que o espetáculo da vida:  
vê-la desfiar seu fio,  
que também se chama vida,  
ver a fábrica que ela mesma,  
teimosamente, se fabrica,  
vê-la brotar como há pouco   
em nova vida explodida  
mesmo quando é assim pequena  
a explosão, como a ocorrida  
como a de há pouco, franzina  
mesmo quando é a explosão  
de uma vida severina.

O tempo presente nos interpela, sobretudo por que essa vida Severina se torna a cada dia mais Severina. Não por acaso, cresce a indignação, a luta e resistência ao sistema produtor de desigualdades sociais. A primavera dos povos, as lutas no campo e na cidade são expressões do espetáculo da vida, construindo “um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres” (Rosa Luxemburgo).

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Goiás, aí vamos nós...

Dia 12 começará o III Encontro Internacional do Movimento Casa Warat...






promete!


Aos indecisos, ainda dá tempo. É só correr para o aeroporto, rodoviária, rodovia ou pegar a "bike"...








Dia 12 
18h - recepção

Dia 13
11h - (livro)
15h - dinâmica de abertura
19 – Mesa redonda: Desafios do pensamento Waratiano

Dia 14
10h - Compartilhando cartografias: um espaço carnavalizado de troca de experiência
15h - Café Filosófico
20h - Sarau

Dia 15
11h - balanço do movimento Casa Warat

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Still I rise ...


    Imagem retirada do filme "Flor do Deserto" que trata da circuncisão das mulheres  somalis na África.


    Você pode me riscar da História 
    Com mentiras lançadas ao ar. 
    Pode me jogar contra o chão de terra, 
    Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.  

    Minha presença o incomoda? 
    Por que meu brilho o intimida? 
    Porque eu caminho como quem possui 
    Riquezas dignas do grego Midas.  

    Como a lua e como o sol no céu, 
    Com a certeza da onda no mar, 
    Como a esperança emergindo na desgraça, 
    Assim eu vou me levantar.  

    Você não queria me ver quebrada? 
    Cabeça curvada e olhos para o chão? 
    Ombros caídos como as lágrimas, 
    Minh'alma enfraquecida pela solidão?  

    Meu orgulho o ofende? 
    Tenho certeza que sim 
    Porque eu rio como quem possui 
    Ouros escondidos em mim.  

    Pode me atirar palavras afiadas, 
    Dilacerar-me com seu olhar, 
    Você pode me matar em nome do ódio, 
    Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar. 
     
     
    Minha sensualidade incomoda? 
    Será que você se pergunta 
    Porquê eu danço como se tivesse 
    Um diamante onde as coxas se juntam?  

    Da favela, da humilhação imposta pela cor 
    Eu me levanto 
    De um passado enraizado na dor 
    Eu me levanto 
    Sou um oceano negro, profundo na fé, 
    Crescendo e expandindo-se como a maré.  

    Deixando para trás noites de terror e atrocidade 
    Eu me levanto 
    Em direção a um novo dia de intensa claridade 
    Eu me levanto 
    Trazendo comigo o dom de meus antepassados, 
    Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado. 
    E assim, eu me levanto 

    Eu me levanto 
    Eu me levanto. 
     
          
                 Maya Angelou.

Bem pessoal, minha primeira publicação! Antes tarde do que nunca né? Eu coloquei esse poema por ser o meu favorito. E ele é meu favorito por tratar da questão da escravidão. A autora é uma das maiores militantes dos Direitos Civis nos Estados Unidos, grande poetisa, autora de livros e produtora de filmes. Uma mulher com uma história de vida cercada de superação tanto no aspecto pessoal quanto no social visto que ela viveu toda a luta travada pelos negros norte americanos nas décadas de 40, 50, 60 e, convenhamos, até hoje. Com relação à imagem só um comentário: Assistam o filme! É maravilhoso.

Até a próxima, breve próxima!

Thalita Monteiro



domingo, 6 de novembro de 2011

Estas mãos


Olha para estas mãos
de mulher roceira,
esforçadas mãos cavouqueiras.

Pesadas, de falanges curtas,
sem trato e sem carinho.
Ossudas e grosseiras.

Mãos que jamais calçaram luvas.
Nunca para elas o brilho dos anéis.
Minha pequenina aliança.
Um dia o chamado heróico emocionante:
– Dei Ouro para o Bem de São Paulo.

Mãos que varreram e cozinharam.
Lavaram e estenderam
roupas nos varais.
Pouparam e remendaram.
Mãos domésticas e remendonas.

Íntimas da economia,
do arroz e do feijão
da sua casa.
Do tacho de cobre.
Da panela de barro.
Da acha de lenha.
Da cinza da fornalha.
Que encestavam o velho barreleiro
e faziam sabão.

Minhas mãos doceiras...
Jamais ociosas.
Fecundas, imensas e ocupadas.
Mãos laboriosas.
Abertas sempre para dar, ajudar,
unir e abençoar.

Mãos de semeador afeitas
à sementeira do trabalho.
Minhas mãos raízes
procurando a terra.

Semeando sempre.
Jamais para elas
os júbilos da colheita.

Mãos tenazes e obtusas,
feridas na remoção de pedras e tropeços,
quebrando as arestas da vida.
Mãos alavancas
na escava de construções inconclusas.

Mãos pequenas e curtas de mulher
que nunca encontrou nada na vida.
Caminheira de uma longa estrada.
Sempre a caminhar.
Sozinha a procurar,
o ângulo perdido, a pedra rejeitada.

Cora Coralina